sexta-feira, 25 de março de 2011

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Neste momento as estatísticas deste blog registram 303 visitas, desde maio de 2010 quando a página foi colocada no ar. Muitíssimo obrigado a todos os leitores!
Para minha surpresa, o blog não tem sido visto apenas aqui no Brasil. Há acessos de países tão distantes quanto a Rússia, a China e a Índia!!!


Muitíssimo obrigado a todos! Divulguem o blog! Ajudem a difundir esse desejo de que a Ars Celebrandi seja redescoberta!

Ainda sobre o véu quaresmal: o Hungertuch


Hoje estava fazendo uma pesquisa sobre o Hungertuch, o véu quaresmal que cobria todo o presbitério escondendo-o aos olhos dos fiéis durante a Quaresma, e fiz uma descoberta interessante. Em nosso Seminário Diocesano nós temos um Hungertuch!

O Hungertuch (pano de fome), como vimos no post sobre o costume de cobrir as imagens e cruzes na V Semana da Quaresma, tinha um sentido de despertar a penitência, a contrição dos fiéis, preparando-os para participar plenamente da Páscoa do Senhor, com o coração e os olhos do corpo e do espírito purificados.

Geralmente o Hungertuch retrata alguma cena da Paixão do Senhor. Por isso na França ele é chamado de "toile de Passion", "toalha da Paixão". Após a Segunda Guerra Mundial foram encontrados exemplares desses panos quaresmais em igrejas da Alemanha. Eles foram restaurados e alguns foram conservados nas próprias igrejas, sendo utilizados na Quaresma, enquanto outros foram entregues a museus. O Hungertuch que ilustrava o post anterior, da Catedral de Freiburg, foi restaurado em 2003 e pesa quase uma tonelada!

A Misereor, uma entidade da Conferência Episcopal Alemã para auxílio às igrejas dos países do Terceiro Mundo, que ajudou bastante a Igreja no Brasil, desde 1986 produz a cada ano um Hungertuch, que apresenta como que uma "atualização" da Paixão do Senhor. E é uma dessas obras que temos aqui em nosso Seminário. No nosso refeitório fica exposto o Hungertuch da Misereor realizado no ano 1996 por Sieger Köder:


Estes panos quaresmais são colocados no centro do presbitério, cobrindo as eventuais imagens, retábulos e outros adornos existentes na parede de fundo. Na foto vemos uma igreja da Alemanha em cujo presbitério foi colocado um Hungertuch (foto de 2008):


Que este tempo da Quaresma nos ajude a purificarmos o nosso olhar, contemplando a Paixão do Senhor na Via Dolorosa rumo ao Calvário e no Calvário de tantos irmãos e irmãs que sofrem ao redor do mundo. 

Laersio da Silva Machado
Seminarista da Diocese de Imperatriz,
3º ano de Teologia

quinta-feira, 24 de março de 2011

O VÉU QUARESMAL DAS IMAGENS E CRUZES


Permanece vivo em muitas igrejas o costume de cobrir com um véu roxo a cruz e as imagens sacras durante a última semana da Quaresma. Embora tal tradição já se tenha perdido em alguns lugares e em outras tantos não se saiba mais qual seu significado, a igreja ainda o recomenda. Neste pequeno artigo apresentaremos algumas informações de caráter histórico sobre a origem desse costume e, ao fim, verificaremos nos livros litúrgicos restaurados por decreto do Concílio Vaticano II como se deve proceder atualmente.

O velum quadragesimale

Véu quaresmal que cobre todo o presbitério (Freiburg - Münster, Alemanha)

Para descobrir a origem do véu das imagens é preciso retroceder aos primeiros séculos do cristianismo, pois é a partir da prática penitencial antiga que se desenvolverá esse costume, como veremos. A disciplina penitencial da Igreja antiga era extremamente rígida: durante meses e até anos, ou em certos casos até ao fim da vida, o penitente deveria realizar atos ascéticos e não poderia participar plenamente da liturgia. Assim como os penitentes, todos os pagãos, hereges e os catecúmenos não podiam acompanhar toda a celebração eucarística.
Sinal disso é que, até a publicação do Missal de Paulo VI (1969), a missa era dividida em duas partes: a “missa dos catecúmenos” (orações ao pé do altar, intróito, kyrie, glória, oração coleta, leitura, salmo gradual, evangelho, prédica, credo) e missa dos fiéis (ofertório, cânon, ritos de comunhão, oração pós-comunhão, bênção final, último evangelho). De início a missa dos catecúmenos era concluída com uma oração de bênção e o convite do diácono para os “não-fiéis” já enumerados retirarem-se¹.
Tal convite – que num largo processo desembocou no atual “Ite, missa est”, “Ide, a missa terminou” ou “Ide, é a missa [missão, envio]” – marcava a saída dos catecúmenos e penitentes do recinto sagrado. Os penitentes eram reconciliados na manhã da Quinta-feira Santa, para participarem do Tríduo Pascal.
Segundo D. Prósper Guéranger e o Pe. João Batista Reus (p. 149-150), quando a penitência pública caiu em desuso e passou a ser praticada a penitência privada dada pelo confessor, o sentido da saída dos penitentes foi preservado com o uso litúrgico do “velum quadragesimale”, o “véu da quaresma”. Esse véu inicialmente recobria todo o presbitério, ocultando completamente o altar aos olhos de todos, como que advertindo-os de que é necessário fazer penitência antes de tomar parte nos Sagrados Mistérios.

O Pe. Edward McNamara conduz tal costume a uma tradição germânica:
Em seguida, tal prática foi simplificada. Desapareceu o véu quaresmal, ficando apenas o véu da cruz e das imagens.
... a origem histórica desta prática [...] provavelmente deriva do costume, existente na Alemanha desde o IX século, de estender um grande tecido na frente do altar desde o início da Quaresma. Este tecido, chamado “Hungertuch” (pano de fome), cobria inteiramente o altar para os fiéis durante a quaresma e não era removido até a leitura da Paixão na Quarta-feira Santa, às palavras “o véu do templo partiu-se em dois”. (tradução livre nossa – original em inglês)

Uma interpretação alegórica: “... mas Jesus escondeu-se” (Jo 8,59)

Após a explicação da origem histórica dos véus quaresmais, vejamos agora o significado alegórico e espiritual que foi atribuído a este rito e que ajuda a tomá-lo como auxílio visual na preparação à Páscoa do Senhor.

Na liturgia anterior ao Concílio Vaticano II, chamada agora de “Forma Extraordinária do Rito Romano”, a V Semana da Quaresma era chamada de Tempo da Paixão, estendendo-se até o início do Tríduo Sacro. Era um período profundamente austero.

Se no IV Domingo (Laetare²) a Igreja despojou-se das vestes penitenciais para vestir as da alegria pela proximidade da Páscoa, agora no Tempo da Paixão ela deve intensificar a penitência e estimular os piedosos pensamentos sobre a morte de Cristo.

Durante toda a Quaresma o “enlutamento” da Igreja pelo Noivo que é retirado vai tornando-se sempre maior. Durante o Tempo da Paixão, além do “Aleluia” e do “Glória a Deus nas alturas”, que não são entoados desde a Quarta-feira de Cinzas, também não é mais rezado o “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”. Ao aproximar-se o sacrifício do Cordeiro Pascal a Igreja mergulha na dor da sua morte.

Os paramentos deste tempo ainda são roxos. Mas (sempre na liturgia anterior a 1969) na Sexta-feira Santa o luto chegará ao seu ápice: a Igreja vestir-se-á de preto, como faz por ocasião do falecimento de qualquer cristão (embora hoje dificilmente se veja um padre vestir paramentos pretos em celebrações exequiais...). É o dia da morte do Esposo. Dia de luto universal.

No Domingo da Paixão (hoje V Domingo da Quaresma) lia-se o evangelho de João 8,46-59, que apresenta o grande conflito de Jesus com os judeus. Ele apresenta-se como o Messias divino (“Eu sou” é o nome de Deus), anterior a Abraão (cf. Jo 8,58). O resultado é que os judeus tentam apedrejá-lo. Jesus tem de esconder-se e sair do templo.

Ao escolher este evangelho, a liturgia anterior ressaltava o clima de tensão que conduziria à condenação capital de Jesus. Para expressar simbolicamente esse mistério a liturgia cobria as imagens com um véu roxo. Este é o sentido espiritual apresentado por D. Prósper Guéranger, OSB:

Na espera desta hora [a hora da agonia do Filho, quando o Esposo será tirado], a santa Igreja manifesta os seus dolorosos pressentimentos velando antecipadamente a imagem do divino Crucificado. A própria Cruz fica invisível aos fiéis, desaparecendo através de um véu. Não se verão mais as imagens dos santos, porque é justo que o servo se esconda, quando se eclipsa a glória do Patrão. Os intérpretes da Liturgia ensinam que o austero uso de velar a Cruz no tempo da Paixão significa a humilhação do Redentor, que foi constrangido a esconder-se para não ser lapidado pelos judeus... (tradução livre nossa – original em italiano).
O véu das imagens no Missal de Paulo VI

Historicamente, como vimos, a velatio das imagens é uma adaptação do costume de impedir aos penitentes, hereges e não-batizados a participação, a “visão” dos Sagrados Mistérios: da expulsão dos penitentes passou-se ao véu amplo que escondia todo o presbitério e que foi reduzido, posteriormente, ao véu das cruzes e imagens sacras na Igreja.

Do ponto de vista espiritual o costume foi interpretado como sinal da penitência à qual todos os fiéis são chamados, ainda como sinal da antecipação do luto da Igreja pela morte do seu Esposo e da humilhação de Cristo, que teve de esconder-se para escapar da ameaça de morte.

Até a publicação do Missal de Paulo VI, em 1969, era obrigatório o costume de cobrir as imagens na V Semana da Quaresma. A reforma litúrgica, porém, ao contrário do que muitos imaginam, não aboliu este uso. Ele foi tornado facultativo, podendo ser mantido a juízo das conferências episcopais. É o que afirma a rubrica do sábado da IV Semana da Quaresma:
Pode-se conservar o costume de cobrir as cruzes e imagens da igreja, a juízo das Conferências Episcopais. As cruzes permanecerão veladas até o fim da celebração da Paixão do Senhor, na Sexta-feira Santa. As imagens, até o início da Vigília Pascal.

Note-se, contudo, que mesmo onde não se mantém o costume de cobrir com o véu roxo as imagens na última semana quaresmal, é recomendado cobrir ou retirar da igreja as cruzes no final da Missa na Ceia do Senhor, na Quinta-feira Santa, durante o Tríduo Pascal, de modo que na Celebração da Paixão apresente-se aos fiéis uma única cruz. No final da Celebração da Paixão todas as cruzes são desveladas. Eis a rubrica do Missal Romano:
Após alguns momentos de adoração silenciosa [ao Santíssimo Sacramento que foi levado em procissão após a oração depois da comunhão], o sacerdote e os ministros fazem genuflexão e voltam à sacristia. Retiram-se as toalhas do altar e, se possível, as cruzes da Igreja. Convém velar as que não possam ser retiradas.

Se na sua igreja este belo costume ainda é conservado, aproveite essas informações para explicar aos demais membros da comunidade o seu sentido. Assim, também com os sinais externos da penitência, do recolhimento, da purificação da visão e do coração de tudo o que é secundário ou mesmo supérfluo, poderemos concentrar o nosso sentir, pensar e agir no Cristo Crucificado. Com os olhos fixos no Senhor, percorrendo com ele a Via Dolorosa, chegaremos às núpcias do Cordeiro Redivivo, à Páscoa da Ressurreição.
Laersio da Silva Machado
Seminarista da Diocese de Imperatriz,
3º ano de Teologia

Notas:
¹ Pode-se aprofundar o assunto no livro clássico de Pe. Josef Andreas Jungmann, Missarum Sollemnia, Parte III “Os ritos das partes da missa. A liturgia da Palavra”, Capítulo II “A Liturgia da Palavra”, n. 9 “Despedidas”, (São Paulo: Paulus, 2009. pp. 460-465).


REFERÊNCIAS

MISSAL ROMANO. Restaurado por decreto do Sagrado Concílio Ecumênico Vaticano Segundo e promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo/Petrópolis: Paulinas/Vozes, 1992.

GUÉRANGER, D. Prósper, OSB. L’Anno liturgico. “Mistica del Tempo di Passione e Settimana Santa” Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2011. (em italiano)

REUS, João Batista, SJ. Curso de liturgia. 2.ed.rev.aum. Petrópolis: Vozes, 1944.

JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollmenia: origens, liturgia, história e teologia da missa romana. 5.ed.corr. São Paulo: Paulus, 2009.

MCNAMARA, Edward. Covering of crosses and images in lent. Entrevista publicada em Zenit, 03 mar. 2005. Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2011. (em inglês)

RIGHETTI, Mario. Historia de la liturgia: I – Introduccion general. El año liturgico. El breviario. Madrid: La Editorial Catolica, 1955. (Biblioteca de autores cristianos – BAC, 132). (em espanhol)

Mais uma vez, a Quaresma...

E mais uma vez estamos na Quaresma. Tempo de revisão de vida. Tempo de retomar este projeto também. Nascido na Quaresma de 2010, por uma série de dificuldades pessoais esteve meio esquecido... Agora, retomo este blog com o intuito de continuar oferecendo algumas pequenas informações sobre a Sagrada Liturgia, culmen et fons da vida da Igreja.

Atendendo ao pedido de alguns colegas seminaristas, inicio com um post sobre o costume de cobrir as imagens na Quaresma. Na realidade havia começado a redigi-lo no ano passado, mas não o publiquei. A versão que apresento agora sofreu algumas alterações, devido ao acréscimo de informações.

Será que desta vez o blog permanecerá atualizado?
Deus ajude que sim!
Conto com a sua colaboração, caro leitor, enviando sugestões, dúvidas, temas a serem tratados. No pouco que posso ajudar, tentarei ser eficiente.
Boa caminhada quaresmal rumo à Páscoa!

Laersio da Silva Machado
Seminarista da Diocese de Imperatriz,
3º ano de Teologia