sábado, 23 de abril de 2011

A QUINTA-FEIRA SANTA NO ORIENTE

          Apresentamos, agora, alguns vídeos e imagens da celebração da Quinta-feira Santa nas Igrejas Ortodoxas na Rússia e em Jerusalém. Nas igrejas de rito bizantino segue-se o costume antigo romano: numa única celebração é feita a bênção do Santo Myron (o óleo crismal), a comemoração da instituição da Eucaristia e o lava-pés. O texto abaixo, que apresenta em resumo os ritos da liturgia russa nesse dia, é retirado do Manual dos Serviços Divinos, de D. Sokolof (disponível no site Father Alexander):

Quinta-feira Santa.

O serviço da Quinta-feira Santa comemora a lavagem dos pés dos discípulos, a Ceia Mística, a pregação de Cristo no Jardim de Guetsemane, e Sua traição por Judas. As características especiais do dia são as seguintes: uma paremia é lida na Primeira Hora, a Liturgia de São Basílio é celebrada em combinação com Vésperas; na Liturgia, ao invés do Hino dos Querubins, o canto da Comunhão, o verso durante o ato da comunhão, o hino: ."..Que os nossos lábios estejam cheios do Teu louvor....," o coro canta: "Recebe-me Senhor, neste dia, na Tua Mística Ceia....."
Nas Igrejas Catedrais, depois da oração que o presbítero faz depois de descer do ambão, é realizada a cerimônia de lavagem dos pés. O bispo se dirige para o meio da Igreja onde é colocada uma plataforma. Ali ele toma seu lugar em uma cadeira de braços, em frente a um analogion onde está colocado o Evangeliário. Então o diácono lidera para fora do Santuário, doze presbíteros, dois a dois, e eles se sentam em ambos os lados do bispo em duas fileiras, da plataforma para as Portas Reais. Durante esse tempo o coro canta estiquérios, que se referem à lavagem dos pés dos discípulos pelo Senhor na Última Ceia. Quando todos os doze presbíteros, representando os doze discípulos na Ceia, estão em seus lugares, o diácono recita a Grande Ectênia, adicionando uma petição que, "ela (a lavagem) seja para lavar as manchas de nossos pecados, oremos ao Senhor." Durante a Ectênia o bispo e os presbíteros permanecem sentados; quando termina a Ectênia só o bispo se levanta e oferece uma oração "que o Senhor Se digna a deixar que o contato dessa água lave-nos de toda impureza espiritual e preserve-nos da serpente espiritual, que tenta morder nosso calcanhar," e senta-se de novo. Então, todos os celebrantes permanecem sentados, e começa a leitura do Evangelho, contando como Cristo, na Mística Ceia, lavou os pés dos Seus discípulos. Quando o diácono pronuncia as palavras "Ele Se levantou da ceia," o bispo se levanta; nas palavras "e pôs de lado suas vestes," o bispo põe de lado suas vestes episcopais; a panagia, a Cruz episcopal, o omophorion e os saccos. Durante a retirada das roupas, o diácono mantêm-se repetindo as palavras "e pôs de lado seus vestidos." O diácono continua lendo: "e pegou uma toalha e cingiu-Se"; o bispo então cinge-se com uma toalha. O diácono lê: "Após isso Ele derramou água numa bacia" e o bispo derrama água de uma bilha em uma bacia.. Quando o diácono lê: "E começou a lavar os pés dos discípulos e a seca-los com a tolha com a qual estava cingido," o bispo lava os pés dos doze presbíteros, começando com aquele que senta no primeiro lugar do lado da mão esquerda e termina com o que senta em primeiro lugar do lado da mão direita.
A ordem de lavagem é como segue: o bispo joga três vezes água em cada pe dó presbítero; e aquele cujos pés foram lavados beija a mitra do bispo e a sua mão. Enquanto os pés de onze dos presbíteros são lavados, o diácono mantêm-se repetindo as palavras "e começou a lavar os pés dos discípulos e a seca-los com a toalha com a qual estava cingido." Quando o diácono lê "então ele chegou a Simão Pedro: e Pedro disse a ele," o bispo se aproxima o que está sentado no primeiro lugar do lado da mão direita; o presbítero se levanta e diz nas palavras do Evangelho: "Senhor, Tu lavas-me os pés a mim?" O bispo responde, também com as palavras do Evangelho: "O que Eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois." O presbítero continua a falar nas palavras do Evangelho: "Nunca me lavras os pés." O bispo responde: "Se Eu não te lavar, não tens parte comigo." Então o presbítero diz: "Senhor, não só os meus pés, mas também as mãos e a cabeça," apontando para suas mãos e cabeça, e reassumindo seu assento. O bispo responde nas palavras do Evangelho: "Aquele que está lavando necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo. Ora vós estias limpos, mas não todos." — e lava os pés do presbítero, após o que ele volta para seu lugar na plataforma, tira a toalha, e o diácono lê o final do Evangelho: "Porque bem sabia ele quem o havia de trair; por isso disse: nem todos estais limpos." O coro agora canta "Glória a Ti, nosso Deus, Glória a Ti!"; então o diácono de novo convida os presentes a ouvir atentamente o Evangelho, e continua lendo: "Depois que lhes lavou os pés, e tomou os seus vestidos." As palavras "e tomou os seus vestidos" são repetidas muitas vezes, enquanto o bispo se veste de novo.
Enquanto o diácono lê as palavras: "e se assentou outra vez à mesa," o bispo senta-se e todos os presbíteros se põem de pé. Então o próprio bispo lê o final do Evangelho: "Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu voz fiz, façais vós também." * O bispo então se levanta, e oferece uma prece, para que "O Senhor, lave toda impureza de nossas almas, e que nós, tendo lavado toda poeira das transgressões que estava aderida a nossas almas, possamos secar-nos uns aos outros com a toalha do amor e ganhar força para agradar a Deus." Então o bispo entra no Santuário e continua a Liturgia. Na Igreja da Dormição em Moscou e na Lavra das Grutas de Kiev (Kiev — Pecherskaya Lavra) tem lugar na Quinta feira Santa a consagração do miron ou crisma que é usado em todas as Igrejas da Rússia para o Sacramento do Crisma ou Confirmação, na consagração de Igrejas e Antimensions e na coroação do Tsar. A preparação dos ingredientes começa na semana da Veneração da Cruz. Os ingredientes são: óleo de oliva, vinho, óleos adocicados e vários tipos de incenso e ervas (trinta no total). O óleo é emblemático de misericórdia, o vinho do Sangue de Cristo, os perfumes simbolizam os múltiplos dons do Espírito Santo. Na segunda feira da Semana Santa, a mistura de óleo e vinho ferve em fogo lento em caldeiras com a leitura contínua do Evangelho. Na quarta feira são acrescentados os ingredientes aromáticos e o miróm é vertido das caldeiras para vasos. Na Quinta feira , antes da Liturgia, o bispo e presbíteros, com as vestes canônicas completas, transferem os vasos contendo o miron novo e um vaso contendo o miron do ano anterior para a Igreja, e os colocam sobre e ao redor da Mesa de Oblação. Na grande entrada com os Santos Dons, os vasos com o miron também são transferidos da Mesa de Oblações para o altar. O vaso com o miron do ano anterior é colocado sobre o altar; os vasos contendo o novo miron são dispostos em torno dele.
Depois da exclamação: "Que a misericórdia de nosso Deus cheio de majestade e Salvador Jesus Cristo esteja sempre convosco!" A consagração do miron tem lugar. O bispo abençoa cada vaso três vezes com as palavras: "Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo," e então ora ao Senhor "para que Ele envie sobre o miron a graça do Espírito Santo, e torne-o uma unção espiritual, um repositório de vida, a santificação dos corpos e das almas, um óleo de alegria." Depois da Ectênia da Súplica e comemoração de todos os Santos, o miron é levado para o repositório de vasos sagrados. Lá, em cada vaso do novo miron são derramadas algumas gotas do miron antigo, pro conta da conexão ininterrupta da Igreja russa com a grega, de quem ela recebeu a graça do sacerdócio na pessoa do primeiro bispo e também recebeu o primeiro miron consagrado.

          Para concluir, vídeos e fotos das cerimônias desse dia:

Rito do Lava-pés em Moscou:

Rito do Lava-pés em Jerusalém:


 


Preparação do Myron em Moscou (2009):



"AVE SANCTUM CHRISMA": ACENOS HISTÓRICOS SOBRE A MISSA CRISMAL NA LITURGIA ROMANA

Bênção dos óleos na Catedral de Klagenfurt


          Na Quinta-feira Santa, nas catedrais de Rito Romano, celebra-se pela manhã a Missa Crismal, na qual são abençoados os óleos dos Catecúmenos e dos Enfermos e é consagrado o Santo Crisma. Por razões pastorais, esta missa pode ser celebrada também em outro dia próximo do Tríduo Pascal, como é o caso de algumas dioceses do Maranhão. Entretanto, nem sempre a Quinta-feira Santa foi o dia próprio da bênção dos óleos e também nem sempre houve uma missa específica para isso.
           Mario Righetti recorda que, segundo os testemunhos mais antigos do período patrístico, já falam dos óleos abençoados. Dentro da prece eucarística, antes da sua conclusão, era comum fazer-se a bênção do óleo para os enfermos. Tal bênção era efetuada também pelos sacerdotes em suas igrejas, em cada domingo (se houvesse necessidade). Isso explica o motivo da tradição romana, prevista ainda hoje no Pontifical, de que o Óleo dos Enfermos seja abençoado na Oração Eucarística (exceto quando se usa, por motivos pastorais, a concessão de abençoar-se todos os óleos após a Liturgia da Palavra).
          Os óleos dos catecúmenos e do crisma eram abençoados pelo bispo antes do batismo, na Vigília Pascal. De fato, esses óleos eram utilizados na celebração deste sacramento, que pelo menos até o século IV só era celebrado na Noite Santa da Páscoa.
          Algum tempo depois, a data da bênção dos óleos começou a variar. No século VII, na França (segundo o Pseudo-Germano de Paris), a bênção acontecia no Domingo de Ramos, que por isso era chamado de Dies unctionis - Dia da unção.
          O motivo da fixação da bênção dos óleos na Quinta-feira Santa é, no fundo, prático. Os óleos deveriam ser utilizados nos batismos da Vigília Pascal. Deveriam, por isso, ser abençoados na missa anterior a este dia. Como na Sexta-feira Santa e no Sábado Santo não se celebra a Eucaristia (lembremo-nos que a Vigília Pascal não é celebração do Sábado Santo e sim do Domingo de Páscoa), os óleos deveriam ser consagrados na última missa da Semana Santa: a Missa da Quinta-feira Santa.
          Alguns missais antigos apresentam um formulário próprio para a Missa Chrismalis. Contudo, ao longo dos séculos, na liturgia romana esse costume foi sendo substituído pela unificação da bênção dos óleos com a Missa in Cena Domini (na Ceia do Senhor). Nas Igrejas Catedrais o bispo realizava, numa única missa, a bênção dos óleos, a trasladação do Sacramento para o Altar da Reposição, a Desnudação dos Altares e o Mandatum (o lava-pés).
           Com a reforma da Semana Santa, em 1955, o Papa Pio XII restaurou a Missa Crismal como uma celebração distinta daquela da Ceia do Senhor. Ela deveria ser celebrada pela manhã nas catedrais. O rito da bênção, essencialmente, permaneceu o mesmo. Apresentamos aqui apenas em linhas gerais a sequência da celebração - quem sabe um dia poderemos oferecer um estudo mais completo sobre tal rito.
          A celebração segue normalmente até quase o fim da Oração Eucarística (na época só se utilizava o Cânon Romano; portanto, o bispo interromperia a Oração Eucaristica antes das palavras "Por ele não cessais de criar e santificar estes bens e distribuí-los entre nós"). O bispo então descia para uma mesa que foi colocada diante do altar. Ele deveria sentar-se voltado para o altar, tendo de ambos os lados 12 presbíteros, 7 diáconos e 7 subdiáconos, todos paramentados. Estes eram testemunhas e cooperadores na bênção dos óleos. Trazia-se então o Oleum Infirmorum da sacristia. O óleo era colocado sobre a mesa e, em seguida, abençoado pelo bispo. Terminada a bênção, o óleo era conduzido à sacristia e guardado no lugar em que permanecerá ao longo do ano (o Sacrarium). O bispo voltava para o altar e continuava a celebração eucarística até a comunhão.
 Missa do Crisma em 2010 na Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, Campos dos Goytacazes-RJ. É a única Diocese (a Administração Apostólica Pessoal é equiparada a uma Diocese) do mundo que celebra, em comunhão com o Papa, a Missa Crismal no rito vigente em 1962. A foto refere-se à procissão da sacristia para a mesa da bênção com o Óleo dos Enfermos.

          Depois da oração pós-comunhão o bispo e os presbíteros, diáconos e subdiácnos voltavam para os seus lugares próximos à mesa. Traziam-se então o Oleum Catechumenorum e o Oleum ad sanctum Chrisma. Eles vinham em procissão solene, com cruz, velas e acompanhados pelos 12 presbíteros, 7 diáconos e 7 subdiáconos. Postos sobre a mesa, tinha início a bênção.
          O bispo abençoava o bálsamo (perfume) e depois o misturava com um pouco do óleo para o santo Crisma. Depois soprava três vezes em forma de cruz sobre o óleo restante que seria abençoado. O mesmo faziam os 12 presbíteros. Fazia-se a solene oração de bênção, precedida do exorcismo do óleo. Depois de abençoado, o bispo misturava o perfume que havia preparado com um pouco de óleo dizendo uma pequena oração. Depois, com a cabeça inclinada, saudava o Santo Crisma dizendo: Ave sanctum Chrisma. Dizia estas palavras por três vezes, em tom crescente, beijando em seguida a borda superior do vaso do Crisma. Em seguida os doze presbíteros faziam o mesmo: três genuflexões dizendo Ave sanctum Chrisma e beijando a borda do recipiente do óleo santo.

          Em seguida, abençoava-se o óleo dos catecúmenos. Os ritos eram semelhantes: o bispo e os presbíteros sopravam sobre o óleo; fazia-se o exorcismo e a bênção; o óleo era saudado da mesma forma, dizendo-se Ave sanctum oleum. Depois da bênção o óleo dos catecúmenos e da consagração do crisma, as duas ânforas eram levadas processionalmente para a sacristia, e guardadas no Sacrarium. A missa continuava, então, normalmente, até o seu fim.
          Para concluir: os óleos são trazidos solenemente por ministros que envolvem as ânforas com um véu de determinada cor. Hoje se vê em muitos lugares a seguinte sequência: Crisma - vermelho, Catecúmenos - branco, Enfermos - roxo. Entretanto, a tradição romana apresenta outras cores. O Pontifical Romano determinava claramente a cor branca para o Santo Crisma - deve-se prparar "tres ampullas Oleo mundissimo plenas, quas in sacrario ponit, et diligenter custodit; unam ad Oleum Infirmorum, aliam ad Oleum Catechumenorum, tertiam quae major sit, ad Chrisma: et haec tertia cooperiri debet de panno sericeo albo; prima autem, et secunda, de sericeo panno alterius coloris sint coopertae" - "três ampolas cheias de óleo puríssimo, que se põem no sacrário [atenção: é o local de guardar os Santos Óleos, não o Tabernáculo da Reserva Eucarística], e são diligentemente guardadas; uma para o Óleo dos Enfermos, outra para o Óleo dos Catecúmenos, e a terceira, que é maior, para o Crisma: e esta terceira deve-se cobrir com um pano de seda branca; a primeira e a segunda, contudo, sejam cobertas com panos de seda de outras cores" (tradução livre nossa).
          Assim sendo, não é parte da tradição romana atribuir a cor vermelha ao Santo Crisma. Tal ligação foi feita, obviamente, por causa da relação entre o Crisma e o Espírito Santo (a cor litúrgica de Pentecostes é vermelha). Mas, a esse respeito, basta lembrar que na administração do Sacramento da Crisma não é obrigatório o uso da cor vemelha: pode-se utilizar também a cor branca (cf. Pontifical Romano).
          Apesar de que o Pontifical Romano não determine quais sejam as cores próprias dos outros dois óleos, tradicionalmente utiliza-se o roxo para o Óleo dos Enfermos e o verde para o Óleo dos Catecúmenos.

DOMINGO DE RAMOS NO ORIENTE


          No post anterior tratamos da origem do Domingo de Ramos e de uma tradição que era característica do Rito Romano até 1955, a abertura da porta com a haste da Cruz Processional. Neste post, sem pretensão de aprofundar, quero apenas apresentar a celebração desse dia num rito oriental.
          No canal do youtube do Patriarcado de Moscou, da Igreja Ortodoxa Russa, estão disponíveis alguns vídeos da celebração do Domingo de Ramos. Como estão em russo, também para mim não é possível entender o que é dito. Mas as imagens falam por si mesmas. É um tipo de solenidade diferente da solenidade do rito romano, mas nem por isso menor. É possível ver a concentração dos fiéis e a profunda devoção de todos.
          O tropário (equivalente à antífona de entrada) desse dia apresenta o sentido dos ritos:
Querendo, antes da Tua Paixão,
cimentar nossa fé na comum Ressurreição,
Tu ressuscitaste Lázaro de entre os mortos,
Ó Cristo nosso Deus.
Eis porque como as crianças de então,
nós levamos os símbolos da vitória
e Te cantamos a Ti, Vencedor da morte:
Hosana no mais alto dos céus!
Bendito aquele que vem em nome do Senhor!
          Mais informações podem ser obtidas no Manual de Serviços Divinos, do Arcipreste D. Sokolof (disponível no site Father Alexander).


В канун праздника Патриарх Кирилл освятил ветви верб
Москва, 16 апреля 2011 года. В канун праздника Входа Господня в Иерусалим Святейший Патриарх Московский и всея Руси Кирилл совершил всенощное бдение и освящение ваий в Храме Христа Спасителя.

Na véspera do feriado, Kirill abençoou os ramos dos salgueiros
Moscou, 16 de abril de 2011. Na véspera da entrada do Senhor em Jerusalém, o Patriarca de Moscou e de todas as Rússias, Kirill fez vigília e da consagração do Domingo de Ramos na Catedral de Cristo Salvador.

"APERITE MIHI PORTAS IUSTITIAE": ALGUNS ELEMENTOS DA HISTÓRIA DO DOMINGO DE RAMOS E DA PAIXÃO DO SENHOR


          Este domingo era chamado - como testemunham os Padres da Igreja Latina nos séculos IV e V - de "Dominica de Passione Domini": Domingo da Paixão do Senhor. A celebração solene da Paixão de Cristo no domingo anterior à Páscoa da Ressurreição é o aspecto mais antigo deste dia.
          Neste mesmo período, em Jerusalém, tem lugar no Domingo da Paixão a memória de caráter histórico, litúrgico e apologético (profissão pública da fé contra os infiéis) da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. A possibilidade de percorrer o mesmo trajeto de Jesus e de imitar o povo que o aclamou como Messias com palmas e ramos de oliveira nas mãos, despertou o interesse dos cristãos e permitiu a organização de uma liturgia própria.
          Etéria, uma peregrina que visitou Jerusalém por volta do século IV, testemunha os ritos litúrgicos desse dia. À sétima hora (13h00), os fiéis junto com seu bispo e todo o clero reuniam-se no Monte das Oliveiras e passavam a tarde entoando hinos e salmos e ouvindo leituras das Sagradas Escrituras. À hora undécima (17h00) era proclamado o evangelho da entrada de Jesus em Jerusalém e todos, com ramos nas mãos, iam em procissão até o Santo Sepulcro, na Basílica da Ressurreição. No percurso cantavam-se hinos e salmos com a antífona "Bendito o que vem em nome do Senhor". Lá chegados, celebrava-se o lucernário. Não se fala de bênção de Ramos.
          Contudo, em Jerusalém o rito será sempre mais desenvolvido. No século VI haverá cinco estações na procissão. Pelo menos desde o século XV, o que preside a procissão vai sentado sobre um jumentinho. É o que relata o Frei Suriano em seu "Tratado sobre a Terra Santa e o Oriente" acerca dos costumes dos frades que cuidam de Jerusalém:
Todos os irmãos (neste domingo) vão a Betfagé, e ali se põe montado sobre o asno o Padre Guardião, e processionalmente, com grande devoção e lágrimas, vão a Jerusalém, ao Monte Sião, com palmas e ramos de oliveira na mão, cantando: Hosana ao Filho de Davi, bendito o que vem em nome do Senhor. E, quando estão próximos do Monte Sião, se encontram com os armênios, religiosos e leigos, estendendo-lhes os mantos e as vestes debaixo do asno.
         Estes ritos logo serão adotados e adptados pelas liturgias orientais (principalmente pela Igreja Bizantina) e na liturgia espanhola (Santo Isidoro de Sevilha fala destes ritos no fim do século VI e início do século VII). Em seguida, passarão aos poucos à liturgia romana. Apenas no século X, contudo, o Pontifical Romano-Germânico (que recolhe os usos romanos e a influência da liturgia galicana [francesa]) apresentará um rito organizado e completo da bênção dos Ramos e da procissão.
          Não pretendemos aqui relatar todo o desenvolvimento histórico-litúrgico do Domingo de Ramos - para isso sugerimos o estudo profundo de Pe. Mario Righetti, "História da Liturgia". Assinalo apenas um curioso rito que foi abolido em 1955 com a publicação do "Ordo Hebdomadae Sanctae Instauratus" pelo Papa Pio XII: a abertura da porta da igreja no regresso da procissão.
          Quando a procissão retornava à igreja, as portas desta deveriam estar fechadas. Interrompia-se a procissão, entoava-se o hino de Teodolfo "Glória, louvor e honra a ti, ó Cristo Rei, Redentor". Concluído este hino a Cristo Rei, o subdiácono cruciferário bate na porta com a extremidade da haste da cruz processional; a porta se abre e a procissão entra na igreja, cantando-se então a antífona "Entrando o Senhor na Cidade Santa, os filhos dos hebreus anunciavam a ressurreição da Vida".
 Domingo de Ramos - Fraternidade Sacerdotal
São Pedro (FSSP) - Denton/USA, 2010

           De acordo com Durando - o mestre da interpretação alegórica da liturgia na Idade Média - a procissão representa o cortejo dos justos, encabeçados por Cristo, que os introduziu no Céu somente em virtude de sua cruz.
          Tal rito certamente também foi trazido de Jerusalém. Um livro litúrgico hierosolimitano do século VI (o "Tipycon"), relata que o Bispo, o clero e o povo só entravam na Anástasis (Basílica da Ressurreição) após o canto do Salmo 117,19-20: "Abri-me as portas da justiça... É esta a porta do Senhor, os justos entram por ela". Segundo Righetti, não é difícil considerar o desenvolvimento da cena dramática da batida na porta com a cruz processional a partir da interpretação cristológica desses versículos.
          Mas atenção: como afirmei, tal rito foi abolido pela reforma da Semana Santa em 1955, por Pio XII!!! Portanto, creio que não seja necessário lembrar que não se deve "ressuscitar" tal rito em nome de uma falsa "criatividade"...
          Feliz Páscoa a todos os leitores do Ars Celebrandi!

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REFERÊNCIAS

-RIGHETTI, Mario. Historia de la liturgia. I: Introducción general. El año liturgico. El breviario. Madrid: La Editorial Catolica, 1955. (Biblioteca de Autores Cristianos - BAC, 132). pp. 777-785. (Em espanhol).
-LITURGIA da Semana Santa Restaurada. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1957. (Em latim-português).
-LE VAVASSEUR. Les fonctions pontificales selon le rit romain. 3.ed.rev.aum. (por Haegy). Tomo II. Paris: Librairie Victor Lecoffre, 1904. pp. 43-69. (Em francês).