sábado, 23 de abril de 2011

"APERITE MIHI PORTAS IUSTITIAE": ALGUNS ELEMENTOS DA HISTÓRIA DO DOMINGO DE RAMOS E DA PAIXÃO DO SENHOR


          Este domingo era chamado - como testemunham os Padres da Igreja Latina nos séculos IV e V - de "Dominica de Passione Domini": Domingo da Paixão do Senhor. A celebração solene da Paixão de Cristo no domingo anterior à Páscoa da Ressurreição é o aspecto mais antigo deste dia.
          Neste mesmo período, em Jerusalém, tem lugar no Domingo da Paixão a memória de caráter histórico, litúrgico e apologético (profissão pública da fé contra os infiéis) da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. A possibilidade de percorrer o mesmo trajeto de Jesus e de imitar o povo que o aclamou como Messias com palmas e ramos de oliveira nas mãos, despertou o interesse dos cristãos e permitiu a organização de uma liturgia própria.
          Etéria, uma peregrina que visitou Jerusalém por volta do século IV, testemunha os ritos litúrgicos desse dia. À sétima hora (13h00), os fiéis junto com seu bispo e todo o clero reuniam-se no Monte das Oliveiras e passavam a tarde entoando hinos e salmos e ouvindo leituras das Sagradas Escrituras. À hora undécima (17h00) era proclamado o evangelho da entrada de Jesus em Jerusalém e todos, com ramos nas mãos, iam em procissão até o Santo Sepulcro, na Basílica da Ressurreição. No percurso cantavam-se hinos e salmos com a antífona "Bendito o que vem em nome do Senhor". Lá chegados, celebrava-se o lucernário. Não se fala de bênção de Ramos.
          Contudo, em Jerusalém o rito será sempre mais desenvolvido. No século VI haverá cinco estações na procissão. Pelo menos desde o século XV, o que preside a procissão vai sentado sobre um jumentinho. É o que relata o Frei Suriano em seu "Tratado sobre a Terra Santa e o Oriente" acerca dos costumes dos frades que cuidam de Jerusalém:
Todos os irmãos (neste domingo) vão a Betfagé, e ali se põe montado sobre o asno o Padre Guardião, e processionalmente, com grande devoção e lágrimas, vão a Jerusalém, ao Monte Sião, com palmas e ramos de oliveira na mão, cantando: Hosana ao Filho de Davi, bendito o que vem em nome do Senhor. E, quando estão próximos do Monte Sião, se encontram com os armênios, religiosos e leigos, estendendo-lhes os mantos e as vestes debaixo do asno.
         Estes ritos logo serão adotados e adptados pelas liturgias orientais (principalmente pela Igreja Bizantina) e na liturgia espanhola (Santo Isidoro de Sevilha fala destes ritos no fim do século VI e início do século VII). Em seguida, passarão aos poucos à liturgia romana. Apenas no século X, contudo, o Pontifical Romano-Germânico (que recolhe os usos romanos e a influência da liturgia galicana [francesa]) apresentará um rito organizado e completo da bênção dos Ramos e da procissão.
          Não pretendemos aqui relatar todo o desenvolvimento histórico-litúrgico do Domingo de Ramos - para isso sugerimos o estudo profundo de Pe. Mario Righetti, "História da Liturgia". Assinalo apenas um curioso rito que foi abolido em 1955 com a publicação do "Ordo Hebdomadae Sanctae Instauratus" pelo Papa Pio XII: a abertura da porta da igreja no regresso da procissão.
          Quando a procissão retornava à igreja, as portas desta deveriam estar fechadas. Interrompia-se a procissão, entoava-se o hino de Teodolfo "Glória, louvor e honra a ti, ó Cristo Rei, Redentor". Concluído este hino a Cristo Rei, o subdiácono cruciferário bate na porta com a extremidade da haste da cruz processional; a porta se abre e a procissão entra na igreja, cantando-se então a antífona "Entrando o Senhor na Cidade Santa, os filhos dos hebreus anunciavam a ressurreição da Vida".
 Domingo de Ramos - Fraternidade Sacerdotal
São Pedro (FSSP) - Denton/USA, 2010

           De acordo com Durando - o mestre da interpretação alegórica da liturgia na Idade Média - a procissão representa o cortejo dos justos, encabeçados por Cristo, que os introduziu no Céu somente em virtude de sua cruz.
          Tal rito certamente também foi trazido de Jerusalém. Um livro litúrgico hierosolimitano do século VI (o "Tipycon"), relata que o Bispo, o clero e o povo só entravam na Anástasis (Basílica da Ressurreição) após o canto do Salmo 117,19-20: "Abri-me as portas da justiça... É esta a porta do Senhor, os justos entram por ela". Segundo Righetti, não é difícil considerar o desenvolvimento da cena dramática da batida na porta com a cruz processional a partir da interpretação cristológica desses versículos.
          Mas atenção: como afirmei, tal rito foi abolido pela reforma da Semana Santa em 1955, por Pio XII!!! Portanto, creio que não seja necessário lembrar que não se deve "ressuscitar" tal rito em nome de uma falsa "criatividade"...
          Feliz Páscoa a todos os leitores do Ars Celebrandi!

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REFERÊNCIAS

-RIGHETTI, Mario. Historia de la liturgia. I: Introducción general. El año liturgico. El breviario. Madrid: La Editorial Catolica, 1955. (Biblioteca de Autores Cristianos - BAC, 132). pp. 777-785. (Em espanhol).
-LITURGIA da Semana Santa Restaurada. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1957. (Em latim-português).
-LE VAVASSEUR. Les fonctions pontificales selon le rit romain. 3.ed.rev.aum. (por Haegy). Tomo II. Paris: Librairie Victor Lecoffre, 1904. pp. 43-69. (Em francês).

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